Em entrevista ao Patos Hoje, Humberto explicou as condições em que Madalena foi encontrada.
A família do professor Dalton César Milagres Rigueira, que é acusada pelo Ministério Público do Trabalho de Minas Gerais de manter uma mulher, durante 38 anos, em regime de trabalho análogo ao da época da escravidão, recebeu 12 autos de infração. A informação foi confirmada pelo auditor fiscal do trabalho, Humberto Monteiro Camasmie, que é Coordenador do Projeto de Combate ao Trabalho Análogo ao de Escravo da SRTb/MG.
Em entrevista ao Patos Hoje, Humberto explicou as condições em que Madalena foi encontrada no apartamento no centro de Patos de Minas e ressaltou as infrações cometidas em relação à questão trabalhista. “Madalena não vivia em cárcere privado, mas em condições análogas às de escravo, em razão das condições degradantes de trabalho e jornadas exaustivas”, disse o auditor.
O Patos Hoje questionou também em relação à remuneração de Madalena e aos bilhetes que foram mostrados em que ele pedia ajuda aos vizinhos para adquirir produtos de higiene pessoal. Humberto disse que, incialmente, Madalena ficou constrangida em assumir a autoria dos bilhetes, mas após a assinatura do depoimento e a confirmação de que a letra era mesmo dela, acabou confirmando. “Ela informou que os empregadores diziam que ela gastava muito detergente, muito sabonete, muita pasta de dente, e ela ficava constrangida de pedir mais quando os produtos acabavam”, disse ele.
Humberto disse que o empregador recebeu 12 autos de infração e os Auditores-Fiscais do Trabalho estão elaborando o relatório de fiscalização, que subsidiará as ações no âmbito do Ministério Público do Trabalho e do Ministério Público Federal. Ele concluiu dizendo que Madalena foi levada para um abrigo e está recebendo apoio psicológico e assistencial.
Leia a íntegra da entrevista com Humberto Monteiro Camasmie:
Patos Hoje: Como vocês chegaram até a Madalena, que era mantida em cárcere no centro de Patos de Minas?
Humberto Monteiro Camasmie: Madalena não vivia em cárcere privado, mas em condições análogas às de escravo, em razão das condições degradantes de trabalho e jornadas exaustivas, nos termos da Instrução Normativa nº 139 (IN 139), da Secretaria de Inspeção do Trabalho, de 22/01/2018.
As condições degradantes foram pelo sistema remuneratório que resultava no pagamento de salário base inferior ao mínimo legal.
A jornada exaustiva foi constatada em razão da supressão não eventual do descanso semanal remunerado, da supressão não eventual do intervalo interjornadas e a supressão do gozo de férias. Madalena sempre esteve à disposição dos empregadores durante o período em que trabalhou na residência.
PH: Quais eram as condições do local em que ela vivia na casa?
HMC: Ela vivia em um quarto de empregada, que segundo os demais vizinhos, é utilizado como despejo. O local deve ter entre 5 e 6 metros quadrados. Ela não tinha convívio familiar e era tratada como empregada doméstica. Quando não estava trabalhando, ia para a igreja ou ficava no quarto. Constatamos ainda que ela não tinha acesso às pensões que ela fazia jus desde 2006. O empregador controlava o cartão, e segundo ela, repassava entre R$ 100,00 e R$ 200,00 por mês para ela.
PH: A necessidade de materiais básicos de higiene, mostrada nos bilhetes que ela escrevia para os vizinhos, foi constatada?
HMC: Inicialmente Madalena ficou constrangida em assumir a autoria dos bilhetes. Mas após assinar o depoimento, verificamos que a assinatura condizia com a grafia dos bilhetes. Questionada pela fiscalização, informou que os empregadores diziam que ela gastava muito detergente, muito sabonete, muita pasta de dente, e ela ficava constrangida de pedir mais quando os produtos acabavam.
PH: Era ela que fazia os serviços da casa?
HMC: Madalena fazia todos os serviços de casa, exceto lavar as roupas e cozinhar, pois os empregadores diziam que ela não dava conta.
PH: Ela não tinha carteira assinada e nenhum outro benefício trabalhista?
HMC: Nunca teve carteira assinada e o único direito trabalhista que possuía era o pagamento de pequenos valores mensais.
PH: A população de Patos de Minas está se pergutando por não ter descoberto um caso como este antes, tendo em vista que eles moravam no centro da cidade. É difícil identificar esse tipo de situação no país?
HMC: Madalena tinha muito medo de que a condição dela fosse descoberta, e uma insegurança muito grande quanto ao seu futuro caso ela rompesse com a família ou fosse abandonada por eles. Como teve seus direitos básicos suprimidos desde a infância, esta insegurança fazia com que ela guardasse para si sua condição de vida, e até mesmo entendesse que deveria aceitar a situação. Trata-se de uma pessoa que teve os estudos interrompidos no terceiro ano do ensino básico, o direito à infância negado, o direito ao convívio social bem reduzido, o direito ao convívio familiar rompido há 14 anos. É muito difícil que uma pessoa na condição dela consiga se libertar sem a ajuda da sociedade e do Estado.
PH: Como pode isso acontecer nos dias de hoje?
HMC: O trabalho escravo é uma realidade das nossas vidas e negligenciado pela população. Ele está no café que consumimos toda manhã, no carvão das churrasqueiras das confraternizações que realizamos, no carvão das siderúrgicas, na carne que consumimos, no suco de laranja que tomamos, nas roupas que vestimos.
PH: Em que pé este caso está, investigação, inquérito …?
HMC: O Processo está tramitando no âmbito do Ministério Público do Trabalho em fase de inquérito, e no âmbito do Ministério da Economia, o empregador recebeu 12 autos de infração e os Auditores-Fiscais do Trabalho estão elaborando o relatório de fiscalização, que subsidiará as ações no âmbito do MPT e MPF.
PH: E a Madalena, como ela está? Você tem notícia?
HMC: Madalena foi acolhida, está recebendo acompanhamento jurídico, psicológico e assistencial. Está em processo de ressocialização, participando de atividades grupais, retomou o processo de alfabetização e está feliz e melhor a cada dia, embora o processo de reconstrução de sua vida não se dará no curto prazo.
Fonte: Patos Hoje