Brasil
Publicada em 02/02/19 às 07:52h
O por que do-e-se
E se o filho não tivesse saído de casa para assinar sua carteira na empresa que achava ser ‘dos sonhos’?

Boa Nova FM

“Só o inimigo não trai nunca”, disse Nelson Rodrigues há décadas em uma pontualidade que, hoje, em outras palavras, é definida como: tragédia anunciada. Todos avisaram; corrigindo, quase todos. E quase todos dos quase todos, hoje, não podem sequer dizer ‘eu avisei’. É que o alarde que fizeram não surtiu efeito. No fim, alarmes e alarmados foram silenciados. Previsível? Inacreditavelmente, sim. Foi cumprido fielmente o roteiro que ninguém queria ler.

Já estamos há uma semana na linha tênue entre o “e se…” e o por quê. Quanta razão e impotência temos, hoje, pós-desastre? 

E se tivéssemos raciocinado antes? E se tivéssemos aprendido com o desastre de Mariana? E se o filho não tivesse saído de casa para assinar sua carteira na empresa que achava ser ‘dos sonhos’? E se a esposa tivesse cumprindo sua folga, conforme previsto? E se o pai não tivesse voltado para pegar um objeto que julgou importante não perder? E se a irmã não tivesse ficado presa no escritório e ido almoçar mais cedo? E se a vaca não tivesse ido - literalmente - para o brejo? 

Por que o analista assinou aquele papel crucial? Por que o executivo pediu aquela assinatura? Por que o judiciário não foi efetivo em Mariana? Por que nossa política não é, de fato, pública? Por que essa mãe não pode enterrar sua filha? Por que essa avó tem que chorar o desaparecimento de seis descendentes? Por que esse filho precisa crescer sem o pai que era sua referência? Por que esses irmãos não vão poder cumprir juntos os sonhos planejados? Por que essa prima nunca mais vai voltar para o almoço de família no domingo?

Quantas histórias na lama? E com que força desenterramos e contamos cada uma delas? Estamos divididos entre os que viraram destroços e os que ficaram aqui, destroçados. Haviam crenças, raças, gostos, amores… esses mesmos que vivemos impondo uns para os outros socialmente e redes-socialmente. E agora fez-se o único fim, independentemente dos e "ses" e dos "por ques" que nos individualizam. Pior que a morte, amigos, é a interrupção do viver. Na minha cabeça a linha tênue é: e se a gente se respeitasse mais? Porque é isso que nos faz respirar. Do contrário, não sobra ninguém no Vale.


Coluna do Antônio




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