“Só o inimigo não trai
nunca”, disse Nelson Rodrigues há décadas em uma pontualidade que, hoje, em
outras palavras, é definida como: tragédia anunciada. Todos avisaram;
corrigindo, quase todos. E quase todos dos quase todos, hoje, não podem sequer
dizer ‘eu avisei’. É que o alarde que fizeram não surtiu efeito. No fim,
alarmes e alarmados foram silenciados. Previsível? Inacreditavelmente, sim. Foi
cumprido fielmente o roteiro que ninguém queria ler.
Já estamos há uma semana na linha tênue entre o “e se…” e o
por quê. Quanta razão e impotência temos, hoje, pós-desastre?
E se tivéssemos raciocinado antes? E se tivéssemos aprendido com
o desastre de Mariana? E se o filho não tivesse saído de casa para assinar sua
carteira na empresa que achava ser ‘dos sonhos’? E se a esposa tivesse
cumprindo sua folga, conforme previsto? E se o pai não tivesse voltado para
pegar um objeto que julgou importante não perder? E se a irmã não tivesse
ficado presa no escritório e ido almoçar mais cedo? E se a vaca não tivesse ido
- literalmente - para o brejo?
Por que o analista assinou aquele papel crucial? Por que o
executivo pediu aquela assinatura? Por que o judiciário não foi efetivo em
Mariana? Por que nossa política não é, de fato, pública? Por que essa mãe não
pode enterrar sua filha? Por que essa avó tem que chorar o desaparecimento de
seis descendentes? Por que esse filho precisa crescer sem o pai que era sua
referência? Por que esses irmãos não vão poder cumprir juntos os sonhos
planejados? Por que essa prima nunca mais vai voltar para o almoço de família
no domingo?
Quantas histórias na lama? E com que força desenterramos e
contamos cada uma delas? Estamos divididos entre os que viraram destroços e os
que ficaram aqui, destroçados. Haviam crenças, raças, gostos, amores… esses
mesmos que vivemos impondo uns para os outros socialmente e redes-socialmente.
E agora fez-se o único fim, independentemente dos e "ses" e dos
"por ques" que nos individualizam. Pior que a morte, amigos, é a
interrupção do viver. Na minha cabeça a linha tênue é: e se a gente se
respeitasse mais? Porque é isso que nos faz respirar. Do contrário, não sobra
ninguém no Vale.
Coluna do Antônio