Fuga desesperada pela mata,
gritos de socorro, o vazio diante do deserto de lama: histórias de quem
sobreviveu por pouco ao rompimento da barragem da Vale em Brumadinho, na Grande
Belo Horizonte, se acumulam.
As buscas entraram
no quinto dia nesta terça-feira (29), com mais de 60 mortes confirmadas e quase
300 desaparecidos. Cinco pessoas foram presas suspeitas de responsabilidade na
tragédia da barragem 1 da Mina do Feijão.
Os funcionários da Vale
Claudiney Coutinho e Danival Vinicius saíram do refeitório da Vale poucos
minutos antes de a lama devastar o local. Logo depois, avistaram uma mulher
sendo arrastada pela lama e a seguiram até que ele parou, em uma área mais
rasa, ferida e coberta de rejeitos.
Em um ato heróico,
encostaram o caminhão e iniciaram o resgate. Com uma corda,
conseguiram tira-la de da lama.
“Eu
desci pelo mato. O mato estava com dois metros mais ou menos de altura. Eu pedi
a ela para ela ter calma, para ela respirar. ‘Nós vamos chegar aí’”, disse ele.
A Pousada Nova Estância
sumiu sem deixar rastros. O estabelecimento, um dos mais procurados da região e
frequentado por famosos, estava no caminho da lama, perto da área
administrativa da Vale. A violência da enxurrada, que havia derrubado metros
atrás parte de uma ponte, arrasou o hotel e a vegetação no entorno.
José Antônio Soares
Pereira, de 46 anos, funcionário e morador da pousada, ainda não encontrou a
filha, Lays Gabrielle, de 14 anos, que está desaparecida. Os vizinhos conseguiram salvar a
mulher e a cunhada. As três almoçavam em casa quando a pousada
foi atingida.
A
cunhada, Thalyta Cristina de Oliveira Souza, de 15 anos, estava quase sufocada
quando conseguiu sair da lama de rejeitos e pedir ajuda. Foi resgatada por
bombeiros, com a bacia e o fêmur quebrados e foi internada, junto com a irmã,
no hospital de pronto-socorro João XXIII.
Em entrevista à BBC, Alessandra contou que a força da onda era tanta que a
sensação era a de estar dentro de um liquidificador: "A única imagem que a
gente tem é como se você estivesse dentro de um liquidificador gigante, sendo
girada de um lado e para o outro, e sendo esmagada por pedra, pau, ônibus,
veículo, porta, tudo que estava vindo para baixo, esmagando as pessoas,
quebrando tudo".
Motorista escapou
Os donos da pousada estavam no local
na hora do rompimento. O corpo de Cleosane Coelho Mascarenhas, a Cleo, dona da Pousada Nova Estância,
foi identificado na segunda-feira. O marido dela, o empresário Márcio
Mascarenhas, fundador da Number One, e o filho Márcio Mascarenhas Filho estão
desaparecidos. Nesta terça, no enterro dela, o motorista da pousada contou como escapou por minutos.
Alisson Matos, de 43 anos, motorista
executivo da família, deixou algumas mercadorias na pousada e saiu com o carro.
Menos de 10 minutos depois, recebeu mensagem em grupos no WhatsApp informando
sobre o rompimento da barragem.
"Meu celular tocou e me avisaram
para tomar cuidado, pois a barragem tinha rompido. Me avisaram: 'Sai daí, sai
daí". Quando passei atrás do Parque da Cachoeira, eu vi aquela lama
descendo... Tentei voltar pra socorrer as famílias, mas não tive êxito. Tentei
avisar a todos os meus funcionários que estavam lá, meus amigos", lembra.
Sobrevivente cita
'avalanche'
Vera Souza Araújo Vilaça e Geraldo do
Carmo Vilaça correram em direções distintas para
escapar da torrente de lama, como mostrou reportagem da BBC. Moradores do
Parque da Cachoeira, souberam instantes antes que a barragem se rompera – e não
tiveram tempo para mais nada a não ser fugir.
Vera estava na casa de um vizinho
quando um rapaz esbaforido deu a notícia. Sem pensar, ela teve de correr morro
abaixo – o caminho que a lama faria segundos depois – para salvar o marido.
Atravessou cercas de arame farpado e uma pinguela e chegou à cozinha de casa,
onde Geraldo a esperava para o almoço.
“Foi o
tempo de levantar e fugir. Nós tivemos três minutos. Não tinha mais tempo, a
avalanche já estava a 100, 50 metros da casa da gente”, conta Geraldo.
A mulher corria estrada afora, o
marido foi para o carro. Mas deixou a chave cair e teve de fugir a pé. Não pelo
mesmo caminho da esposa. Começou a ouvir o barulho aterrorizador da enxurrada
chegando e precisou embrenhar-se na mata para não morrer.
"Corri uma subida de uns 120
metros, sem parar. Eu parecia até um menino de 17 anos. Mas eu tenho 70. Acho
que é o instinto de sobrevivência.”
A lama engoliu a casa, o carro, o
pomar, a horta, as 50 galinhas, os cachorros, os documentos, os álbuns de
fotos. Tudo está abaixo de 10 metros de lama. Irmão de Vera, Manuel é um dos
288 desaparecidos.
Marido herói
A balconista Adriane
Pereira Alves não teve tempo de fugir.
Sua casa foi tragada pela avalanche de rejeitos. “Depois que eu estava presa
que eu fui raciocinar que era a barragem", contou.
Soterrada, ouviu o vizinho gritar
por ela em cima dos escombros. “Consegui passar a mão no
vão do tijolo. Fiquei balançando a mão, e ele me achou”, lembra.
O marido, David,
juntou-se ao socorro e tentava puxar a mulher, que continuava gritando porque
estava com as pernas presas nos escombros. Ela estava coberta de lama.
Adriane ainda se
recupera dos ferimentos. Uma das pernas que ficou presa nos escombros durante o
resgate está parcialmente paralisada. “Do joelho para baixo, não sinto. Não
consigo mexer o pé”, relatou.
Por G1 BH