(Foto: Internet)
Defendida pelo governador eleito do Rio, Wilson Witzel (PSC), a
autorização a ser dada a policiais para "abater" criminosos com fuzis,
sem que haja qualquer responsabilização, é ilegal, institui uma espécie
de pena de morte e pode levar o estado a experimentar um retrocesso de
décadas na segurança pública a partir do ano que vem. A avaliação é de
especialistas em segurança que acompanham as políticas para o setor.
Na última segunda-feira (29), em entrevista
ao jornal O Estado de S. Paulo, Witzel disse que policiais não podem
ter dúvidas na hora de atirar no meio de confrontos. "A polícia vai
fazer o correto: vai mirar na cabecinha e... fogo! Para não ter erro",
afirmou. Ex-juiz federal e novato na política, Witzel se elegeu com
discurso duro de combate ao crime. Ele defende a chamada excludente de
ilicitude, que livra o policial de responsabilidade criminal se matar em
serviço.
"A noção de atirar e matar alguém que está de posse de uma arma
ilegal significa rasgar a Constituição, que só prevê pena de morte em
tempo de guerra, e rasgar tratados internacionais que o Brasil assinou.
Decreta a pena de morte automática, na rua e sem apelação. É um absurdo
jurídico completo", avaliou o sociólogo Ignacio Cano, coordenador do
Laboratório de Análise da Violência da Universidade Estadual do Rio
(Uerj).
Para Cano, Witzel parece alinhado a uma doutrina militar, que não
poderia nortear a segurança pública. "A arma para o policial é
ferramenta de defesa da vida dele e de terceiros, não é ofensiva.
Nenhuma outra situação justifica. Estão tentando trazer para a segurança
pública uma doutrina militar: basta identificar alguém como combatente
inimigo para matá-lo."
O ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, já havia dito na
quarta-feira (31) que a ideia do governador eleito só poderá ser
colocada em prática caso a legislação seja mudada.
Witzel se ampara no artigo 25 do Código Penal, que dispõe sobre a
legítima defesa. São casos em que se configura "injusta agressão, atual
ou iminente, a direito seu ou de outrem", e nos quais devem ser usados
"moderadamente" os "meios necessários" para esta defesa. O governador
eleito acredita que basta portar o fuzil para que a agressão se
configure, não sendo necessário que o criminoso mire em alguém.
Nessa quinta-feira (1), em entrevista à TV Globonews, ele reviu seu
discurso, diante da repercussão negativa, e disse que o policial não
tomará essa decisão sozinho. As operações serão filmadas e superiores
vão acompanhá-las, garantiu. "A ordem para efetuar o disparo não é do
policial, é do comando, que vai estar vendo o alvo", afirmou.
O sociólogo Renato Lima, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública,
também criticou. "Como juiz, ele podia interpretar e a decisão dele
valer. Agora, não. A excludente quem concede não é o próprio policial,
nem o governador, isso é visto depois da investigação", explicou.
"Nenhuma polícia no mundo democrático tem autorização para fazer o que
bem entende. Esse tipo de afirmação é tão somente explorar o medo da
população. Segurança pública se faz com metodologia, com as melhores
práticas, não com palpite, e o confronto não se mostra eficaz em área
urbana. Essa lógica embute um preconceito com as comunidades pobres.
Talvez renda votos, mas não vai pacificar o Estado".
Lima lembrou que o uso de "snipers", proposto para Witzel para este
tipo de enfrentamento, não deve ser banalizado, uma vez que não há
muitos quadros com esse grau de especialização.
Segundo ele, ao que tudo indica está decretado o fim das Unidades de
Polícia Pacificadora, projeto focado na polícia de proximidade e na
redução do número de fuzis nas favelas, e que completou dez anos em 2018
em decadência.
Assim como Lima, a socióloga Julita Lemgruber, do Centro de Estudos
de Segurança e Cidadania da Universidade Candido Mendes, vê parentesco
entre a fala de Witzel e a antiga "gratificação faroeste", que, nos anos
1990, premiava em dinheiro "atos de bravura", inclusive o assassinato
de bandidos em confrontos.
"É uma volta à premiação faroeste, só que com outro nome. Os
policiais eram estimulados a matar e foi um retumbante fracasso. Tanto
ele quanto (o presidente eleito) Jair Bolsonaro defendem a licença para
matar. É a velha máxima de apostar na violência pra conter a violência,
que o Rio já experimentou várias vezes e só matou os pobres. A
letalidade policial alta é um combustível para a alta geral da
violência", analisa Julita.
A coordenadora de pesquisa da Anistia Internacional no Brasil, Renata
Neder, pontuou que operações letais resultam no "absoluto terror" dos
moradores das comunidades.
"As políticas de segurança pública no Rio foram historicamente
baseadas na ostensividade e no confronto, e não na investigação,
prevenção e inteligência. Na prática, isso se traduziu sempre em
incursões policiais fortemente armadas para o confronto direto com
grupos criminosos em favelas e periferias, tudo isso em nome de uma
suposta 'guerra às drogas'. Intensificar este modelo militarizado vai
apenas piorar o já grave quadro de violência letal no estado".
Por Agência Estado